sábado, 11 de junho de 2011

Heidegger e o autêntico ofício humano: o pensamento que medita.

"O Homem actual "está em fuga do pensamento." Esta fuga-aos-pensamentos é a razão da ausência-de-pensamentos. Contudo, tal fuga ao pensamento deriva do facto de o Homem não querer ver nem reconhecer essa mesma fuga. Afirmará o contrário. Dirá – e com pleno direito – que em época alguma se realizaram planos tão avançados, se realizaram tantas pesquisas, se praticaram investigações de forma tão apaixonada, como actualmente. Com toda a certeza. Esse dispêndio de sagacidade e reflexão foi de extrema utilidade. Um tal pensamento será sempre indispensável. Mas convém precisar que será sempre um pensamento de um tipo especial.
(…) O pensamento que calcula faz cálculos. Faz cálculos com possibilidades continuamente novas, sempre com maiores perspectivas e simultaneamente. O pensamento que calcula nunca pára, nunca chega a meditar. O pensamento que calcula não é um pensamento que medita, não é um pensamento que reflecte sobre o sentido que reina em tudo o que existe.
(…) É a esta reflexão que nos referimos quando dizemos que o Homem actual foge do pensamento. Objectar-se-á, no entanto, que a pura reflexão não se apercebe que paira sobre a realidade, que ela perde o contacto com o solo, não serve para dar conta dos assuntos correntes, não contribui em nada para levar a cabo a praxis.
E, por fim, diz-se que a pura reflexão, a meditação persistente, é demasiado “elevada” para o entendimento comum. Nesta desculpa a única coisa correcta é que é verdade que um pensamento que medita surge tão pouco espontaneamente quanto o pensamento que calcula. O pensamento que medita exige, por vezes, um grande esforço. Requer um treino demorado. Carece de cuidados ainda mais delicados do que qualquer outro verdadeiro ofício. Contudo, tal como o lavrador, também tem de saber aguardar que a semente desponte e amadureça.
Por outro lado, qualquer pessoa pode seguir os caminhos da reflexão à sua maneira e dentro dos seus limites. Porquê? Porque o homem é o ser que pensa, ou seja, que medita. Não precisamos, portanto, de nos elevarmos às “regiões superiores” quando reflectimos. Basta demorarmo-nos junto do que está perto e meditarmos sobre o que está mais próximo: aquilo que diz respeito a cada um de nós, aqui e agora.

Excerto de SERENIDADE de Martin Heidegger, Editora Piaget, Colecção Pensamento e Filosofia.

Neste texto temos a perspectiva de Heidegger sobre a serenidade, apresentada através do discurso pronunciado aquando da celebração do 175º aniversário do nascimento do compositor Conradin Kreutzer, em Messkirch, a 30 de Outubro de 1955.