A sessão da manhã abriu-se depois de um toque de sineta e de passar por um recreio com macieiras. Sorri de imediato por debaixo da máscara.
Os 25 alunos do 4º ano da escola anuiram com facilidade à proposta de se apresentarem com, além dos elementos mais habituais, a referência ao último ou a um momento maravilhoso que tivessem vivido. Depois de partilhar o meu, um instante em que uma voz na indistinta esplanada se destaca perguntando à família se, além dos cafés, alguém queria bolos - «- Bolos, niguém quer bolos?». Expliquei-lhes que achei o momento simples e maravilhoso, pois não consigo imaginar comer bolos, beber chá e comer bolos ou fazer bolos de modo indisposto ou triste. Há uma alegria boa e simples, aconchegante, em torno disto.
A sessão foi presenteada com vários momentos maravilhosos: ganhar um cão, ganhar um gato, ganhar um canário, ganhar uma Play Station, em ex aequo com ganhar um cão, ir de férias com a mãe («- Mas ir para algum sítio em especial? - Não, só ir de férias.»), ir de férias para o Algarve - voltei a sorrir interiormente.
Lido o poema que dá título a este post, pedi aos alunos para escreverem perguntas a partir dele. As suas reações evidenciam a falta de à vontade com a tarefa: «- Perguntas como? Sobre o texto?»; «- Perguntas?! Mas eu nem sou professor...».
Foi votada a pergunta mais interessante «O que é um bolo com dentes?».
Várias propostas surgiram, como por exemplo: «- Fazem-se os dentes em massapão e põem-se em cima do bolo.» Hummm... Um dente de massapão é um dente? Mas uma analogia irrompeu e não nos deixou explorar esta questão: «- Se um pão com dentes é um pão sem nada, um bolo com dentes é um bolo sem nada. Ou seja, sem recheio ou cobertura!»
Um segundo momento maravilhoso pode agora ser contado por mim: há uma expressão, pelo menos na área de Torres Vedras, que se refere a comer pão sem nada. Só pão, sem manteiga, sem marmelada... Se é só pão, é pão com dentes. Não é incrível?
Esta analogia levou-nos a condições necessárias e suficientes: «- Bolo com dentes é só feito com farinha, açúcar, ovos e fermento. Não leva nada adicional e que, sozinho, não faz bolo. Não leva cenoura, que sozinha não faz bolo, ou não leva chocolate, que sozinho no forno só vai derreter...»
O tempo passou rapidamente e voltei a passar pelas macieiras do recreio e pela sineta.
Na sessão da tarde, também com um grupo de 4º ano, a alegria de ir ao encontro do meu pedido, de colocarem uma coisa sua ao contrário, como eu fiz com o meu casaco tomou rapidamente conta da sala. Não foi só a Vera que colocou as sapatilhas ao contrário, foi também praticamente metade da sala. Sapatilhas ao contrário, óculos ao contrário, bibes ao contrário, bonés ao contrário...
As sensações foram de desconforto e de não conseguir andar ou ver lá muito bem. Mas ninguém tirou as coisas do seu contrário... Bem, só eu, com a devida autorização dos alunos, porque estava muito calor.
Produziram-se perguntas a partir do texto (as mesmas hesitações com a tarefa, «- Perguntas como?, Que o texto diz?») e a vencedora como a mais interessante foi «Se ele estava com os pés para o ar e as mãos para o chão, como é que fazia omeletes?»
Desenhou-se rapidamente uma constelação de hipóteses no quadro, umas apelando mais às condições físicas de possibilidade, outras colocando todo o resto do mundo na perspetiva «ao contrário» o que acabou por nos dizer que se TUDO está ao contrário, então, nada está ao contrário.
O apontar de cenários foi fulguroso e ficámos no pensamento divergente.
Mas uma intervenção mais para o final da sessão deixou-me uma pergunta em mente e mostrou-me, mais uma vez, ostensivamente, que o corpo nos ajuda a pensar, nos revela ideias. Um aluno, sentado na 1ª fila, mostrou-me que tinha o bibe ao contrário, mas de cima para baixo. Não do avesso, não da frente para trás, mas de cima para baixo. Melhor: de cima para baixo e de frente para trás. Se os participantes desta sessão estiverem a ler isto, talvez possam responder: quantos contrários há de uma coisa?
Estas sessões de Filosofia para Crianças decorrem nas escolas do 1º ciclo do Município de Torres Vedras, por iniciativa da Biblioteca Municipal, a quem saudamos pela oportunidade que propiciam aos alunos.