O anel de Giges, mito platónico que nos chega através de A República (sec. IV a.C.), abriu uma série de sessões de Filosofia para Crianças que a Tempos Brilhantes promove no concelho de Loulé, integrando parte da sua oferta educativa.
O 4º A da escola EB1 Mãe Soberana revelou-se uma Comunidade de Investigação e pêras!
Já tinham ido ao dicionário ver o que era Filosofia, perguntaram se Filosofia se escrevia assim - "Filosofia" - e logo descobriram que uma colega estava lá dentro: a Sofia.
Expliquei-lhes a formação da palavra Philo+Sophia e que significava, então, amor à sabedoria.
Sugeri a experiência, e não a explicação, como forma de perceber melhor do que se trata.
Assim foi, e com o auxílio de Platão, ouvimos acerca do anel com poderes de invisibilidade que fez com que Giges deixasse de ser um simples pastor e se tornasse Rei.
Todos ouviram, perceberam e gostaram da história mas a L. logo avançou «- Só não gostei da história numa parte: o Giges usava o anel só em seu benefício, e nunca em benefício dos outros.»
- Mas isso que dizer que não gostaste da história ou do que o Giges fez?
- Do que o Giges fez.
Consciencializada esta diferença, avançamos.
A pergunta era simples: O que farias se fosses invisível?
Respostas bem variadas e, com a excepção de um «- Não sei. Não sei mesmo...», não tão invulgar como isso, bem definidas. Umas cheias de estratégia, outras mais simples e prosaicas, mas todas sinceras:
- roubava o dinheiro de todas as casas;
- abria o frigorífico e comia tudo o que me apetecesse;
- entrava no avião e viajava até à Roménia;
- tirava o dinheiro à minha mãe para ir comprar chuteiras e o equipamento todo que me apetecesse;
- comia as guloseimas todas do Continente;
- saía de casa e ia brincar até às tantas da noite com os meus amigos;
- vendia o anel: a minha mãe fica muito irritada e preocupada quando eu desapareço e eu não quero isso. Mas tinha que ter cuidado, porque podia ganhar dinheiro mas também alguém podia ir contar à polícia...
- ia buscar o IPad ao quarto dos meus pais para jogar;
- pregava sustos às pessoas;
- ia ao stand e trazia dois Ferraris e, na loja de música, roubava um piano (adoro piano!);
- ...
Pois bem, por vezes, esquecemo-nos de alguns pormenores. Foi aí que a Comunidade de Investigação nos ajudou a corrigir algumas ideias. Por exemplo, mesmo que tenhamos o anel de Giges: o figorífico continua a ver-se (a abrir sozinho, neste caso); a nossa mãe ia dar, mais cedo ou mais tarde, pela falta do dinheiro; as máquinas das lojas detectam as coisas a passar, mesmo que elas sejam invisíveis; os papéis das guloseimas continuam a ser visíveis; continuamos a precisar de força para transportar o piano, não basta ser invisível...
O tempo voou e certamente muitas coisas ficaram por perguntar. (Porque é que é necessário sermos invisíveis para fazer esta coisas todas? ou Gostarias de ser invisível? são certamente duas delas.)
Mas não a questão fundamental que o mito coloca! Quando alguém assume que vendia o anel porque a (...) mãe fica muito irritada e preocupada quando eu desapareço e eu não quero isso, é porque o olhar dos outros ante as nossas acções não é tudo!
Levámos o mesmo desafio aos pais e encarregados de educação: «O que farias se fosses invisível?»
- Ahhh, boa!!; - Yes, vou perguntar!; - Hiiiiii...
O que fizémos durante a sessão? (Pedi para usarem verbos.)
- Falar; - Associar ideias; - Demos fome aos outros (porque estavamos sempre a falar de gulosseimas e comida); - Criticamos os outros. Não, não, não é isso! Criticamos as ideias dos outros!
Parece-me que não estivemos nada longe da Filosofia em exercício!, mesmo nada!
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- És do Porto? - O Louletano já ganhou ao Boavista, no meu escalão. - Adorei a sessão!
- Agora quando vens outra vez? - Ainda quero ver o que os meus pais vão responder!
Obrigada pelo entusiasmo e colaboração de todos!!