E PARA PROBLEMAS QUOTIDIANOS ESTAMOS CÁ NÓS:
Allen Frances dirigiu durante anos o Diagnostic and Statistical Manual
(DSM), documento que define e descreve as
diferentes doenças mentais. Considerado a bíblia dos
psiquiatras, é revisto periodicamente em nome da adaptação aos avanços do
conhecimento científico. Frances dirigiu a equipa que redigiu o DSM IV,
ao qual se seguiu uma quinta revisão que ampliou enormemente o número de
transtornos patológicos.
Siga o LINK para a entrevista completa:
Alguns excertos:
"Fomos muito conservadores e só introduzimos [no DSM IV] dois dos 94
novos transtornos mentais sugeridos. Ao acabar, nos felicitamos,
convencidos de que tínhamos feito um bom trabalho. Mas o DSM IV acabou
sendo um dique frágil demais para frear o impulso agressivo e
diabolicamente ardiloso das empresas farmacêuticas no sentido de
introduzir novas entidades patológicas. Não soubemos nos antecipar ao
poder dos laboratórios de fazer médicos, pais e pacientes acreditarem
que o transtorno psiquiátrico é algo muito comum e de fácil solução. O
resultado foi uma inflação diagnóstica que causa muito dano,
especialmente na psiquiatria infantil. Agora, a ampliação de síndromes e
patologias no DSM V vai transformar a atual inflação diagnóstica em
hiperinflação."
"P. A influência dos laboratórios é evidente, mas um psiquiatra
dificilmente prescreverá psicoestimulantes a uma criança sem pais
angustiados que corram para o seu consultório, porque a professora disse
que a criança não progride adequadamente, e eles temem que ela perca
oportunidades de competir na vida. Até que ponto esses fatores culturais
influenciam?
R. Sobre isto tenho três coisas a dizer. Primeiro,
não há evidência em longo prazo de que a medicação contribua para
melhorar os resultados escolares. Em curto prazo, pode acalmar a
criança, inclusive ajudá-la a se concentrar melhor em suas tarefas. Mas
em longo prazo esses benefícios não foram demonstrados. Segundo: estamos
fazendo um experimento em grande escala com essas crianças, porque não
sabemos que efeitos adversos esses fármacos podem ter com o passar do
tempo. Assim como não nos ocorre receitar testosterona a uma criança
para que renda mais no futebol, tampouco faz sentido tentar melhorar o
rendimento escolar com fármacos. Terceiro: temos de aceitar que há
diferenças entre as crianças e que nem todas cabem em um molde de
normalidade que tornamos cada vez mais estreito. É muito importante que
os pais protejam seus filhos, mas do excesso de medicação."
"P. Em 2009, um estudo realizado na Holanda concluiu que 34% das crianças
entre 5 e 15 anos eram tratadas por hiperatividade e déficit de
atenção. É crível que uma em cada três crianças seja hiperativa?
R. Claro que não. A incidência real está em torno de
2% a 3% da população infantil e, entretanto, 11% das crianças nos EUA
estão diagnosticadas como tal e, no caso dos adolescentes homens, 20%,
sendo que metade é tratada com fármacos. Outro dado surpreendente: entre
as crianças em tratamento, mais de 10.000 têm menos de três anos! Isso é
algo selvagem, desumano. Os melhores especialistas, aqueles que
honestamente ajudaram a definir a patologia, estão horrorizados.
Perdeu-se o controle."