- Pode a busca
cooperativa de uma resposta ser pensada a partir do regime estético da arte de
Rancière?
Propomos
que o conceito de regime de arte enquanto modo de articulação do fazer, do ver
e conceptualização dos anteriores e, em particular, o regime estético da arte
como condição de pensabilidade e identificação das artes se apresenta como oportunidade
para a revalorização das Novas Práticas Filosóficas, nomeadamente na sua
dimensão de dinamização filosófica, ou seja, diálogos de matriz socrática
realizados em situação, em público.
A
emergência das (Novas) Práticas Filosóficas dentro do regime estético da arte
afirma-se não enquanto ruptura mas fundamentalmente como decisão de
reinterpretação do que faz a Filosofia e do que a Filosofia faz. Nesse sentido,
as (Novas) Práticas Filosóficas são expressão de um tempo e espaço
civilizacional anteriormente desvalorizado como a “parte não filosófica” da
Filosofia.
- Pode o diálogo
filosófico, na sua radicalidade e exigência de presença, à semelhança de uma
pintura, escultura ou obra literária, abrir fissuras no consenso e obstaculizar
a redução da política à polícia?
Defendemos
que o diálogo filosófico não difere da obra de arte nas suas potencialidades de
exigência de presença total do espectador/participante, na criação de rupturas
que gritam pela sua exploração e doação de sentido e, por fim, a adequação do
diálogo filosófico à abertura de múltiplas possibilidades.
O
diálogo filosófico, enquanto performance colectiva incoreografável visível
através da crítica argumentativa, põe em jogo todos os intervenientes (não há
espectadores) e por meio da imprevisibilidade do agenciamento afirma-se como
força de desestabilização, de crítica das pretensas evidências e cristalizações
do senso comum, de criação e descoberta de novos conceitos e relações e de
emergência de sentidos tributários da não intencionalidade colectiva.
Será
este momento colectivo de constituição atómica e resultado não antecipável
terreno fértil para a legitimação e suporte do que Rancière define como
polícia? Não cremos. Pelo contrário, e em casos porventura excepcionais, porque
trabalho de problematização e interrogação da actualidade, pode constituir-se
como brecha ou semente de brecha na lógica de funcionamento da mesma. A
produção de um novo conceito, a descoberta de contradições no discurso
legitimador da polícia, o estabelecimento de relações até então invisíveis e
não actuantes pode desconfigurar a ordem do sensível tida como natural.
Assim,
a produção de litígios nascidos da prática filosófica é uma possibilidade e é
possibilidade de introdução de um dissenso entendido como confronto das
configurações instituídas pela polícia com algo inaceitável pela mesma: o
sujeito político. Existe então a política, o confronto entre sujeito(s)
político(s) e a ordem policial.
Desta
forma, pensamos identificar o cumprimento do ethos filosófico identificado por
Foucault e inscrito na tradição kantiana de um pensamento crítico que toma a
forma de uma ontologia da actualidade. Mediante a abertura de um campo de
possibilidades, o diálogo filosófico, como trabalho crítico de problematização
surge como atitude, como crítica permanente da nossa era. Por um lado, é
análise histórica dos limites; por outro lado, nasce a experiência que
possibilita a sua ultrapassagem: a “crítica prática de uma transgressão
possível”.
Nuno
Paulos Tavares
Porto
- Portugal
*
Rancière,
Jacques - Le Partage Du Sensible,
Edição/reimpressão: 2000, Editor: FABRIQUE, Coleção: Beaux Livres Lux
Rancière,
Jacques - A partilha do sensível -
Estética e política, Tradução de Mônica Costa Netto, Coedição: Editora
34/EXO experimental org., 2005 - 1ª edição; 2009 - 2ª edição (Acordo
Ortográfico)