Por Nuno Paulos Tavares
“Não rir nem chorar, mas compreender.” Espinosa
Descartes, o racionalista, propôs três tipos de substância: mente, matéria e Deus. Espinosa, o racionalista, argumenta que apenas existe um tipo: Deus. Para Espinosa, Deus não é uma força, pessoa ou princípio que coloca o universo de matéria e mente em existência. Deus é o todo da existência na sua vasta, misteriosa e interconectada totalidade.
Tendo a Geometria como modelo de raciocínio, Espinosa procura fundamentar este panteísmo e todas as suas noções a partir de primeiros princípios. Por exemplo: Deus, sendo perfeito, não pode ser menos do que o universo como um todo. Mente e matéria são, assim, aspectos do universo. Não possuem existência independente. Podemos vê-las como separadas, podemos questionar sobre as suas conexões mas tais questões ligam-se à inevitável ignorância, falibilidade e percepção limitada do humano e não à natureza inerente do universo. Desta forma, de uma estocada, Espinosa afasta a insolúvel questão sobre como corpos e mentes interagem e o papel de um Deus transcendente. Não existe interacção uma vez que não existe separação. Deus é imanente; o universo não pode existir separadamente de Deus pois é Deus.
Para Espinosa, o universo-Deus é uma totalidade e qualquer tipo de separação ou conceptualização é produto de mentes pequenas apreendendo apenas pequenas partes de cada vez. Dividimos o universo em partes, átomos, moléculas, cadeiras, mesas e depois fazemos perguntas sobre como essas partes se interrelacionam. O que esquecemos é que existem partes do universo apenas porque a nossa mente o despedaçou. O universo, qual vasta pintura sem limites, é demasiado para compreendermos, por isso, transformamo-lo num puzzle de biliões de peças, cada peça sendo pequena e simples o suficiente para a nossa mente perceber. E depois perguntamos: Quais as relações entre as peças? Como podemos juntar todas as peças do puzzle?
Na verdade, as peças não se relacionam: não encaixam porque na realidade não existem. Conexões são o que fazemos com a mente e não realidades a serem descobertas no mundo.
O universo pode ser apreendido como uma totalidade mas unicamente um poder infinito pode apreender uma infinita realidade. Tal é Deus, o universo como um todo.
Desde imemoriais tempos e remotas paragens, místicos sempre afirmaram entrever o universo como totalidade interligada. Esta visão e forma de ser foram apresentadas como fonte de cura, força, inspiração e conhecimento. Espinosa não afirma a unidade da existência como resultado de qualquer experiência mística mas a partir da dedução e análise matemática. Tenta mostrar que o que afirma é verdadeiro exactamente do mesmo modo que Euclides deduz regras de geometria a partir de axiomas básicos, com proposições, postulados, provas, definições, lemas e corolários, dispostos sistematicamente, um procedendo logicamente do outro.
Espinosa acreditava que a unidade da existência tinha um valor prático para as pessoas nas suas vidas quotidianas pois a felicidade e a miséria são em larga medida determinadas pela estreiteza da visão que lançamos sobre tudo. A busca desta visão abrangente, análoga à de Deus em sua ambição, abertura da verdadeira comunhão cósmica, tem o poder de tudo pôr em perspectiva e fomentar um adequado sentido de admiração, reverência, humildade, talvez puro delírio, face ao vasto mistério da existência.
Esta visão pode (?) ser bastante para alentar a alma e funcionar como meio de encontrar tranquilidade interior mesmo nas piores circunstâncias. É inegável que a colocação em perspectiva mais abrangente das preocupações individuais tem sido e continuará a ser uma forma de lidar com situações indesejáveis, circunstâncias dolorosas e momentos avassaladores. Os Estóicos fizeram-no, via autodisciplina e controlo dos pensamentos e predisposições autodestrutivas. Segundo Espinosa, a via primeira é um processo de alargamento do nosso entendimento sobre a nossa comunhão com a existência: um passo de aproximação à experiência divina.
Subsumidos numa perspectiva secular, atomizada e individualista da existência, somos impelidos pela insegurança e as nossas vidas uma luta constante para fazer mais connosco e juntar coisas à nossa volta. Ameaças espreitam de todo o lugar. O medo da perda aumenta à medida que mais ganhamos. Tempo, circunstância e outras pessoas são inimigos ou potenciais rivais. Persistimos em tentar acompanhá-los, batê-los, controlá-los, dominá-los. Eventualmente, o tempo irá acabar para nós. Levará tudo que temos e acarinhamos. Somos sozinhos na impermanência das nossas alianças, ligações, triunfos e tragédias.
Por isso, Espinosa! A nossa interacção com a existência assemelha-se a uma dança: mais do que algo a ser atingido, a harmonia é algo percebido. O comportamento ético e cooperativo é inextrincável da nossa visão da subjacente unidade da existência. Agimos bem porque a acção boa é um dos meios para uma vida preenchida e una. Alimentamo-nos de acções boas, do mesmo modo que de pensamentos bons e sentimentos bons.
Alguém que pergunte “Porque tenho de comer?” é, sem dúvida, iludido e ignorante. Onde está o seu insight e apetite? Da mesma forma, uma pessoa que questione “Porque tenho de agir bem?” é tristemente inconsciente das forças unificadoras da existência.
Artigo publicado no Jornal Ecos, Maio 2012
Tendo a Geometria como modelo de raciocínio, Espinosa procura fundamentar este panteísmo e todas as suas noções a partir de primeiros princípios. Por exemplo: Deus, sendo perfeito, não pode ser menos do que o universo como um todo. Mente e matéria são, assim, aspectos do universo. Não possuem existência independente. Podemos vê-las como separadas, podemos questionar sobre as suas conexões mas tais questões ligam-se à inevitável ignorância, falibilidade e percepção limitada do humano e não à natureza inerente do universo. Desta forma, de uma estocada, Espinosa afasta a insolúvel questão sobre como corpos e mentes interagem e o papel de um Deus transcendente. Não existe interacção uma vez que não existe separação. Deus é imanente; o universo não pode existir separadamente de Deus pois é Deus.
Para Espinosa, o universo-Deus é uma totalidade e qualquer tipo de separação ou conceptualização é produto de mentes pequenas apreendendo apenas pequenas partes de cada vez. Dividimos o universo em partes, átomos, moléculas, cadeiras, mesas e depois fazemos perguntas sobre como essas partes se interrelacionam. O que esquecemos é que existem partes do universo apenas porque a nossa mente o despedaçou. O universo, qual vasta pintura sem limites, é demasiado para compreendermos, por isso, transformamo-lo num puzzle de biliões de peças, cada peça sendo pequena e simples o suficiente para a nossa mente perceber. E depois perguntamos: Quais as relações entre as peças? Como podemos juntar todas as peças do puzzle?
Na verdade, as peças não se relacionam: não encaixam porque na realidade não existem. Conexões são o que fazemos com a mente e não realidades a serem descobertas no mundo.
O universo pode ser apreendido como uma totalidade mas unicamente um poder infinito pode apreender uma infinita realidade. Tal é Deus, o universo como um todo.
Desde imemoriais tempos e remotas paragens, místicos sempre afirmaram entrever o universo como totalidade interligada. Esta visão e forma de ser foram apresentadas como fonte de cura, força, inspiração e conhecimento. Espinosa não afirma a unidade da existência como resultado de qualquer experiência mística mas a partir da dedução e análise matemática. Tenta mostrar que o que afirma é verdadeiro exactamente do mesmo modo que Euclides deduz regras de geometria a partir de axiomas básicos, com proposições, postulados, provas, definições, lemas e corolários, dispostos sistematicamente, um procedendo logicamente do outro.
Espinosa acreditava que a unidade da existência tinha um valor prático para as pessoas nas suas vidas quotidianas pois a felicidade e a miséria são em larga medida determinadas pela estreiteza da visão que lançamos sobre tudo. A busca desta visão abrangente, análoga à de Deus em sua ambição, abertura da verdadeira comunhão cósmica, tem o poder de tudo pôr em perspectiva e fomentar um adequado sentido de admiração, reverência, humildade, talvez puro delírio, face ao vasto mistério da existência.
Esta visão pode (?) ser bastante para alentar a alma e funcionar como meio de encontrar tranquilidade interior mesmo nas piores circunstâncias. É inegável que a colocação em perspectiva mais abrangente das preocupações individuais tem sido e continuará a ser uma forma de lidar com situações indesejáveis, circunstâncias dolorosas e momentos avassaladores. Os Estóicos fizeram-no, via autodisciplina e controlo dos pensamentos e predisposições autodestrutivas. Segundo Espinosa, a via primeira é um processo de alargamento do nosso entendimento sobre a nossa comunhão com a existência: um passo de aproximação à experiência divina.
Subsumidos numa perspectiva secular, atomizada e individualista da existência, somos impelidos pela insegurança e as nossas vidas uma luta constante para fazer mais connosco e juntar coisas à nossa volta. Ameaças espreitam de todo o lugar. O medo da perda aumenta à medida que mais ganhamos. Tempo, circunstância e outras pessoas são inimigos ou potenciais rivais. Persistimos em tentar acompanhá-los, batê-los, controlá-los, dominá-los. Eventualmente, o tempo irá acabar para nós. Levará tudo que temos e acarinhamos. Somos sozinhos na impermanência das nossas alianças, ligações, triunfos e tragédias.
Por isso, Espinosa! A nossa interacção com a existência assemelha-se a uma dança: mais do que algo a ser atingido, a harmonia é algo percebido. O comportamento ético e cooperativo é inextrincável da nossa visão da subjacente unidade da existência. Agimos bem porque a acção boa é um dos meios para uma vida preenchida e una. Alimentamo-nos de acções boas, do mesmo modo que de pensamentos bons e sentimentos bons.
Alguém que pergunte “Porque tenho de comer?” é, sem dúvida, iludido e ignorante. Onde está o seu insight e apetite? Da mesma forma, uma pessoa que questione “Porque tenho de agir bem?” é tristemente inconsciente das forças unificadoras da existência.